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| Um dos responsáveis por um dos meus maiores vícios: Pebernødder |
Mas, afinal, estamos a falar de Dezembro de 2015, o ano mais importante da vida de todos. O ano em que viria a estrear o novo Star Wars. Surgiu, obviamente, a conversa no grupo enquanto trabalhávamos sobre quais eram as expectativas de cada um para o filme. Excepto eu, que disse que de forma a poupar dinheiro, não iria ver ao cinema, teria de esperar pelo Sr. Joaquim (ou como se diz na Dinamarca, pelo Sr. Joakim). No último dia de trabalho, o dia em que tinhamos de fazer a entrega, fui surpreendido por um colega. Visto que ele nunca quis qualquer pedaço da sua identidade espalhada pela internet, vou tomar a liberdade de lhe chamar L, em homenagem não só ao seu nome mas à personagem do Death Note, que pensando bem até lhes vejo semelhanças, incluindo comer constantemente para alimentar o cérebro e trabalhar descalço. Era uma espécie de hippie mas em vez de se concentrar em drogas e em seguir a palavra de Charles Manson, era viciado em adquirir conhecimento, fosse tecnológico, fosse modo de estar na vida. Para terem uma pequena noção, ele estava a viver numa tenda durante um ano, passando por fortes ventos e um terrível frio só pela experiência de saber se era capaz de viver assim. Das pessoas mais interessantes que conheci em toda a minha vida, era fantástico ouvi-lo a falar.
Voltando à surpresa, o L trouxe vários alimentos para nós para aguentarmos as últimas horas de trabalho e ofereceu-me um pequeno embrulho em formato de envelope. Eu abri e era um pacote de dois bilhetes de cinema, duas bebidas, duas pipocas e dois óculos 3D. Disse-me: "No one deserves to miss Star Wars. This is for you to go with your girlfriend."
Explicou que era por ficar sempre até tarde a trabalhar com os [poucos] que também ficavam, sendo que eu não tinha de o fazer pois não recebia dinheiro do estado para estudar como eles.
Foi dos poucos momentos da minha vida em que fiquei genuinamente sem palavras. Eu disse o obrigado mais honesto e sentido que consegui e estive prestes a deitar lágrimas não exclusivamente pelo gesto incrível mas por ter a oportunidade de levar a minha namorada a um evento para descontrairmos de toda a pressão e sermos felizes por umas horas. O L não dava o mesmo valor ao dinheiro que, bem, todos nós damos. Ele trabalhava muito (sem precisar, recebia do estado) para ter o suficiente que desse para sobreviver e não pensar em dinheiro, mas não via qualquer problema em gastar o que fosse pelo grupo para termos melhores condições de trabalho, o que incluia equipamentos e comida para termos energia, sem pedir nada de volta além do nosso trabalho. É talvez a pessoa mais honesta que conheci, dizia o que tinha a dizer, mesmo que fosse alvo de chacota à frente de toda a universidade (o que aconteceu imenso), ele simplesmente não queria saber. Tudo o que lhe interessava era como ele estava na vida naquele momento e fascinava-se como as outras pessoas viviam. Honestamente, conseguia escrever um capitulo inteiro sobre este colega. Por saber o quão genuíno era esta pessoa, mais me tocou o seu gesto.
E assim, acabámos os nossos relatórios, entregámos e fomos para as nossas merecidas férias de Natal.
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| Não sem eu deixar uma mensagem bonita a todos. Ao lado do boneco num pódio feito pelo Anders a dizer "Bruno Sucks Ass!" Eles conheciam-me bem. |
Ou, pelo menos, foram para as merecidas férias. Eu merecia, mas não as tive. Eu e a minha namorada preparámo-nos com roupa e comida suficiente para trabalharmos na semana de Natal em casa do Notklaus.
A minha namorada tinha a tarefa de limpar as duas casas a pente fino, e o Notklaus pediu a minha ajuda para remover toda a mobilia da casa onde nós ficávamos pois a partir de Janeiro seria arrendado a gente que não tem noção de que não se faz nada em Hadsund. No entanto, ao chegar, o Notklaus disse que eu podia também continuar com o trabalho das árvores. Parecia-me bem, até chover a maior parte dos dias e a terra estar incrívelmente rija devido ao gelo. Decidi então que seria mais produtivo ajudar a minha namorada com as limpezas. Foi a casa mais imunda que já conheci, e conheci-a bem, talvez até melhor do que os donos a julgar pela cor de alguns cantos dos móveis. Havia veneno de rato por todo o lado, incluindo no meio de pratos e condimentos que usavam. Falando em condimentos, contámos 15 embalagens de maionese meio usadas. São mais ou menos fãs de maionese. Encontrei também uma embalagem de Bombocas (lá chama-se Bombokas) aberta, com a validade de Janeiro de 2014 e uma delas trincada. Mas guarda-se não vá fazer falta mais tarde.
Era impossível eu permitir que a minha esposa se pusesse em cima de bancos a limpar veneno de rato enquanto grávida. Se não tivesse prenha, até incentivava, afinal seria como as nossas segundas-feiras portuguesas. Mas não enquanto grávida, o que também influênciou não termos retirado muitos dos móveis pois os que eu precisava de ajudava não poderiam ser carregados por ela. Excusado será dizer que foi uma semana deprimente para nós. Longe da família, sem qualquer espírito natalício enquanto limpávamos a merda dos outros. Não me refiro só aos nossos patrões, também tratei dos coelhos e dos patos.
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| Eu expliquei aos teus donos como era "à Caçador". Depois explicam-te. |
Dos poucos pontos altos foi eu ter aprendido a tocar sozinho no piano deles a música No Time for Caution do filme Interstellar e termos decidido tomar banho na banheira de hidromassagem deles depois de vários dias árduos. O ponto alto não foi estarmos a relaxar na banheira, mas termos esquecido que a nossa roupa estava na outra casa, o que fez com que tivessemos caminhado nus em pleno Dezembro Dinamarquês às 01h no meio do campo onde até Jesus tem de perguntar por direcções. Pior, esquecemo-nos dos nossos telemóveis, pelo que eu tive de correr todo nu 3 vezes no meio do gelo. Foi a única vez na vida em que não tive inseguranças com o meu tamanho pois não havia nada a fazer, era uma questão de aceitar. Após esta história, sempre que me perguntam em Portugal "Não tens frio só com isso?", eu pego num banco e começo a contar.
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| "Sabes quando os teus testículos se retraem com o frio? Em Hadsund, os meus batiam nos pulmões" |
Em certa noite, foi altura de a minha namorada contar à avó que estava grávida, de forma a não apanhar todos desprevenidos quando chegasse a Portugal depois do Natal. A avó da minha mulher reagiu bem, o que a encorajou bastante, e encarregou-se de contar à família que não iriam celebrar só o nascimento do menino Jesus mas sim de um outro bebé considerávelmente mais lindo.
E assim ficaram a saber que, sim, ela estava oficialmente presa ao gajo do cinema que apesar de não falar com ninguém pessoalmente, ganha irónicamente a vida a comunicar com os outros.
Houve quem esteve sempre do nosso lado, aos quais agradeço profundamente. Não por mim, mas pela minha esposa. Houve, também, quem não tenha achado piada nenhuma e disse coisas muito bonitas que não me surpreenderam. De forma a exemplificar a importância que dei, aqui fica a imagem de um gatinho à espera que lhe sirvam à mesa mesmo sabendo que o que realmente importa é a sobremesa e não os bróculos que tem de aguentar até lá chegar:
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| As farófias são o que dão razão à vida, é o que eu quero dizer. |
No dia 24, a minha esposa ficou a descansar à tarde enquanto eu fui às compras para a nossa apelidada ceia. Andei quase uma hora a pé até chegar a um supermercado que o meu patrão me explicou a correr onde ficaria. Pensemos bem: se eu me perdesse, não saberia onde estava, como perguntar a alguém onde ficaria a casa do meu patrão visto ser no meio do nada, não via se quer ninguém que pudesse potencialmente perguntar, a minha namorada não saberia explicar onde é que eu tinha ido visto que não existe policia pois os crimes só acontecem nos outros países,... Para não arriscar, eu fui tirando fotos por onde passava.
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| Eu sei que parece uma estrada em qualquer localidade portuguesa, mas se prestarem atenção esta está bem alcatroada |
Pelo caminho vi um gato morto na berma da estrada praticamente congelado. Pensei que já tinha a viagem arruinada, até porque teria de passar por ele outra vez de regresso, mas mais chocante para mim foram os preços no supermercado. Se já era caro em Aalborg, ali o preço aproximava-se demasiado do dobro. Mesmo assim, levei refrigerantes, batatas fritas, bolos e frutos secos. Não em grandes quantidades, mas levei porcaria sabendo do que estava a levar. A minha ideia era mesmo encher o balcão onde iamos comer com o máximo de aperitivos que conseguisse pois o nosso Natal já ia ser deprimente o suficiente, pelo menos que não fosse vazio. Ainda falámos com a minha família no Skype o que deu para ver a minha avó e desejar um bom Natal. Disse que foi o primeiro Natal que passaram sem mim (sem os filhos/netos, pois o meu irmão também não pôde ir) mas para o ano havia de compensar com uma nova presença. Vimos alguns vídeos no YouTube, já na cama, e adormecemos cedo, sozinhos, longe de todos, no meio do nada, só nós três.
Eventualmente chegaram os nossos patrões. O Notklaus estava muito mal das costas e a Nãoseikuantas estava muito mal disposta de todo o álcool que consumiu. Disseram-nos que se divertiram muito mas que estavam muito exaustos. No fundo, como nós, que também nos divertimos muito a limpar bichos ressequidos entre os armários. Talvez tenhamos sido descobridores pois encontrámos fósseis de peixinhos-de-prata dentro de substâncias que tanto podiam ser amber como merda. Chamemos a esta nova espécie: Emigrantis Ingratus. Eu tinha levado os móveis que consegui, incluindo camas, sozinho pelas escadas abaixo até ao armazém deles, mas havia móveis que só seria possível eu carregar escadas abaixo se não tivesse vontade de viver. Por isso pedi à Nãoseikuantas que agarrasse do outro lado visto que a minha mulher estava grávida e o Notklaus tinha sido carteiro e magoou-se muito nas costas. Lá levámos o que faltava até a Nãoseikuantas ter ido vomitar o resto. Após mais umas quantas horas a aspirar e a lavar, a casa estava pronta para ser recebida por surfistas. O Notklaus levou-nos à estação de autocarros onde pagou à minha namorada 1500Kr por uma semana de trabalho, o mesmo que me tinha pago por 2 dias nas obras, e a mim 200Kr por uma raíz tirada. Eu discuti com ele à frente de todos na estação, o que deixou-o embaraçado, mas tinham pedido para eu ir tratar das mudanças da casa e assim o fiz. Pagou-me mais 200Kr, que foi o dinheiro totalmente gasto para viajarmos os dois de volta para a nossa casa em Aalborg. Foi uma semana desperdiçada, mas que ajudou a pagar mais um mês. No entanto, como eu já suspeitava que isto fosse acontecer, eu disse ao Notklaus que tinha retirado só uma raíz mas a verdade é que nem isso, simplesmente mudei uma raíz que tinha arrancado anteriormente para outro sítio e ele não deu por nada. Menti, mas é o que acontece quando somos explorados. Já tinha ouvido histórias de que ele pagava o minimo que conseguisse por mão de obra estrangeira. Também se tinha aproveitado da minha namorada que avisou que deixaria as aulas de Dinamarquês devido à gravidez mas o Notklaus, professor dela, só avisou o serviço dois meses após pois recebia por cada aluno a quem desse aulas.
Chegámos a casa exaustos e em baixo. Eu fui comprar o nosso jantar enquanto a minha namorada desfazia as malas. Quando regressei, trouxe-lhe um Toblerone branco. Sabiamos que não o devia ter feito, e nem se quer foi barato, mas foi o meu pináculo de fazer conta com a intenção. Queria oferecer-lhe algo que le desse um pouco de alegria neste Natal deprimente. No final do dia, cumprimos o nosso plano de ir ver o Star Wars: The Force Awakens.
Para saberem como foi a experiência, podem ler o meu artigo no blog de cinema CINE31.
Passámos por um bom bocado onde nos divertimos e nos descontraímos como casal. Fomos a pé até casa de mão dada, numa cidade agora vazia por todos os estudantes estarem nos respectivos países. Foi o nosso último momento de felicidade na Dinamarca pois foi a última noite que passámos juntos. No dia seguinte, a minha namorada foi para Portugal, numa viagem sem regresso.










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