09 December 2016

Episódio 05 | O Poeta e o Pintor | Ou: Vê sempre o lado encantador da vida



 Por agora, já tinhamos contado a alguns amigos. À familia não, estávamos a guardar esse evento para uma data especial com convidados importantes e um rodizio de salgados em miniatura. Mas os amigos mais próximos, e mesmo alguns distantes em carácter de desabafo, foram sabendo. Temos o caso de um amigo, chamemos O Engenheiro, que dissemos por Skype para vermos a reacção. Custou-lhe um pouco a acreditar que viria a ser tio, mas depressa assumiu a responsabilidade. Depois fui espalhando aos meus outros amigos engenheiros e aos que, enfim, coitados, são meros Técnicos de Multimédia como eu. Recebemos imensos parabéns e tenho a agradecer o apoio de todos, por mais chocante que tenha sido para alguns, mesmo os casais que ganharam a aposta de que nós seriamos os primeiros. Afinal, eu e a minha namorada já viviamos juntos há 3 anos, era o passo natural. Bem, talvez fosse ter um cão primeiro, mas arranjei um hamster chamado Clicker em homenagem ao The Last of Us, por isso considero um progresso.

Era a coisinha mais fofinha


Enquanto que os meus amigos celebravam já não terem um amigo virgem e, assim, poderem passear comigo sem pudor no Saldanha, havia um amigo próximo que não era necessário contar virtualmente. O amigo que veio connosco de Portugal com a mesma missão, também ele em Aalborg. O amigo com quem caminhei ao longo das noites até ao Bairro Alto a cantar Thick as a Brick e Always Look on the Bright Side of Life, voltando sempre cedo com as cervejas na mão após compreendermos que o Bar 'Agito' já não passa Aqualung há muito tempo. Um companheiro de longa data com quem passei dos melhores momentos da minha vida e com quem, excepcionalmente, muito desabafei, em parte graças aos efeitos soberbos do álcool - como desinfectar bancadas de cozinha, entre tantos exemplos. Fui à casa dele para lhe contar pessoalmente, afinal a nossa amizade já vem do tempo desde que eu usava gel no cabelo. Chamemos-lhe O Engenheiro. Sentados no sofá com duas Tuborgs, lá lhe contei que viria a ser tio. Levantou-se e exigiu um abraço de irmão, seguido de um brinde de cerveja meio quente, respeitando o ritual de um verdadeiro Homem.

Depois fizemos as contas para ele se aperceber que o sobrinho foi feito na sala dele.

Em Outubro ainda estávamos a viver na casa dele enquanto aguardávamos por uma resposta da AKU, o serviço que nos arranjava casa após 16 anos do nosso pedido. E assim, no aniversário da minha namorada ao qual passámos sozinhos pela primeira vez ao fim de 2 meses, com velas acesas de gelado de baunilha e maçã verde, pétalas de rosa espalhadas, um tapete de urso verdadeiro com a boca aberta numa expressão de 'Media Markt, eu é que não sou parvo', uma lareira só com pinhas de Óbidos, e um queijo da serra barrado sobre tostas do Continente com uma faca de manteiga de cabo de madeira em forma de morango, lá concebemos a natureza a ouvir Elton John - Can You Feel The Love Tonight - live at Fnac Vasco da Gama.

Ou pelo menos é assim que me lembro. Posso estar algo ofuscado. Para completar esse momento lindo em que dois seres humanos se juntaram e amaram-se muito, vamos saber como é que a minha esposa se lembra dessa maravilhosa noite:

'Vimos o Birdman e fizemos amor durante 8 segundos.'

Ah sim, já me recordo. Grande Michael Keaton!

Fonte de inspiração

Mas o Natal estava-se a aproximar e com a sua chegada veio a pergunta: vamos a Portugal? Todos os nossos conhecidos iam celebrar a vandalização do presépio do Chiado com a familia à terra natal. Mas quanto a nós dois, iriamos ficar por Aalborg a trabalhar durante a semana de Natal. Ainda assim, havia o ano novo. Feitas as contas, não era possível irmos os dois. Surgiu uma oportunidade para a minha esposa ir graças à familia e aceitámos, sendo a ideia de fazer uma surpresa pela sua chegada. Não sabiam é que havia a surpresa dentro da surpresa, formando um delicioso Kinder. O resultado foi tão hilariante como imaginam.

A ser sincero, não planeávamos contar às nossas famílias tão cedo. Se perguntassem pela barriga ela diria: "é da deliciosa comida Dinamarquesa". Claro que seria dificil de os convencer, todos sabemos que só o bacon é que é delicioso na Dinamarca. Mas à minha familia era necessário contar pois o período em que estaria presente pelas terras do Alentejo sem Lei coencidia com a primeira ecografia. Tinhamos que contar à minha mãe para que ela agendasse uma ecografia algures, mesmo que fosse numa esquina à frente de todos. E assim, eu tomei a atitude de contar à minha familia.


Começando pela minha avó.

A minha avó ficou contente, mas realçou mais a preocupação pois era quem melhor sabia da nossa situação financeira. Mas tranquilizei-a assegurando que teremos sempre Las Vegas.

Se bem que já vi disto na Rua Augusta
Chegou então a altura de contar à minha mãe. Comecei como se deve começar este tipo de conversa:

"Senta-te"

Depois disse-lhe: "Lembras-te daquele filme em que o Schwarzenegger fica grávido? Imagina isso mas em realista"

Arrependo-me que não seja verdade. Na realidade eu disse simplesmente:" Vais ser avó".

Ao que a minha mãe responde o que qualquer mãe diria:

"Estás a falar a sério? Não és gay afinal?"

A minha mãe começa a chorar e mantem-se uma tensão no ar que passa pelo telemóvel. Não houve um momento de alegria, houve choro e silêncio. Até que acontece o meu momento favorito: "ouço" o meu pai a baixar o volume da televisão. Isto nunca acontece lá em casa, nem mesmo quando eramos assaltados, afinal o Vasco Palmeirim a distribuir 15€ era mais importante. Mas não desta vez, o meu pai ficou preocupado com a reação da minha mãe, a ponto de perguntar:

"O que se passa?"

"Vais ser avô"

O meu pai ajudou ao silêncio. Afinal, eu não era gay e isto de ter namorada durante 3 anos não era um disfarce para me deixarem em paz. Mesmo que fosse, não é que tenha resultado.

Depressa alertei a minha mãe para as regras essenciais a respeitar:

"Se for menina, não quero nada cor de rosa choque nem quero nada da Kitty!" Até agora foi razoavelmente respeitado.

A alegria da minha mãe começou a vir ao de cima e quando dei por mim ao invés de falarmos sobre a ecografia já estavamos a discutir o enchoval.

Depois liguei ao meu irmão. Aproveitei para perguntar se ele queria ser o Padrinho, uma vez que ambos temos Padrinhos e Madrinhas que... bem... temos vaga memória de ter tido uma vez, quando eramos garotos. Por isso, de forma a cimentar que a minha filha havia de ter Padrinhos presentes, escolhi o meu irmão pois mesmo que nos zanguemos temos de estar pelo menos juntos nos funerais dos nossos familiares que não viamos há 30 anos. Para Madrinha, escolhemos a minha Melhor Amiga pois mesmo que nos zanguemos teremos de estar presentes nos funerais hilariantes dos nossos amigos em comum, sendo que alguns já começámos a preparar pois há agora umas coisas na Primark muito giras.

Por agora, à minha familia chegava, a minha namorada precisava de mais tempo para contar.

Oh, mas se valeu a pena a espera!

E por falar em espera, o nosso amigo que foi para África, o Engenheiro Africano, foi o último a saber apesar de ter contado a todos ao mesmo tempo. Quando a internet finalmente chegou ao computador dele, ficou furioso por ter demorado tanto a saber, mas a alegria pela noticia depressa compensou-lhe a espera. Um abraço irmão da linha de Sintra, havemos de nos reencontrar e as nossas filhas irão conhecer-se!



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