
Tenho este capítulo escrito há mais de um ano. Revi algumas vezes, mas algo me impedia de o terminar. Achei eu que era por se aproximar muito ao presente, ao próprio Bruno que o escrevia. No tempo que passou, o Bruno mudou. Tenho um ego diferente, e irei mais tarde explicar que ego é este quando também o eu actual mudar, mas para já é importante reter que já consigo olhar para este capítulo com outros olhos. Não é a minha parte favorita. Relembra-me muito stress e muito medo que passámos os dois e, asseguro-me, os três. Mas isso eu já sabia quando escrevi originalmente. O que custava-me perceber na altura, que agora melhor compreendo, foi o marco sobre mim nesta situação. Foi uma das vezes em que eu falhei na minha relação, e uma das que não me consigo perdoar agora que me afastei.
Fala-se muito em dias onde não se deve sair de casa. Há razão nisso, tendo em conta que a maioria dos atropelamentos ocorrem nas passadeiras. Todavia, em muitos bairros de Lisboa está-se mais seguro lá fora.
Ninguém estava preparado para aquele dia, mas sabíamos ser inevitável. Eram cerca de 3 da manhã quando ouvimos um estrondo maior do que o normal. Eu e a minha namorada acordámos sobressaltados com o barulho. Julgámos imediatamente ser o prédio da frente pois de vez em quando caía algo por dentro devido ao mau estado. Mas tantas foram as vezes que o barulho que parecia ser debaixo do nosso nariz era, na verdade, lá fora. Não era fora do comum os carros subestimarem a nossa rua e rasparem o chão. Mas não desta vez. O nosso grande medo aconteceu, em parte.
Fomos espreitar o que poderia ter acontecido. Não parecia ter sido connosco, até repararmos num pedaço da varanda do prédio da frente que faltava. Não sabíamos como reagir. A primeira reacção da minha namorada foi chamar a polícia mas pensei em aguardar pela manhã até saírem todos os vizinhos para o trabalho ou, pelo menos, estarem todos acordados para resolvermos a questão.
Foi aqui que eu falhei. A minha ideia, conforme eu entendo, tinha a sua lógica: os bombeiros viriam a vedar tudo. Eu não trabalhava, mas havia quem ainda tivesse a vida lá fora a decorrer e eu sentia-me culpado por ser o causador da confusão que, honestamente, todos queriam evitar. Julguei eu que a situação seria resolvida com uma proteção, alguma rede e algum metal, que nos permitisse continuar o dia a dia. Um remendo, como tantos que o prédio levou.
Eu compreendo isso. Mas, quem ler a história, e são olhos importantes aqui, os de fora, pensa: mas que estupidez de risco a correr! E pensa muito bem. Eu vejo a minha lógica, mas era uma lógica errada. Deixei-me apoderar do facto de eu ser o mais novo na morada e deixar os mais velhos tomarem conta da situação.
Não me posso perdoar. Não estive a altura da minha família. Eu entendi isso na altura, que eu não estava a reagir da forma mais inteligente, mas não compreendi. A ignorância apoderou-se de mim e retirou-me qualquer sentido de responsabilidade. Falhei para a minha família.
Voltámos para a cama e tentámos descansar, sendo uma palavra muito forte aqui. Diria deitar de olhos abertos até o sono inevitavelmente apoderar-se de nós.
Até que acordámos com um estrondo maior.
Eu tive uma segunda oportunidade. Uma segunda oportunidade que, no ponto de vida em que actualmente escrevo, deixei de ter.
O resto da varanda desabou. A varanda era do segundo andar, tendo caído todo o entulho para a varanda de baixo que mal era suportada por dois barrotes frágeis e torcidos pela força que faziam, não ajudados pelo desgaste da chuva. O andar de cima era suportado por uma pequena e fina coluna, já de sí rachada. A qualquer momento podia cair tudo. Era claro que desta não passava. A minha mulher chamou a polícia imediatamente, e desta vez não fiz nada para a impedir. Era o que devia ter sido feito antes, e há muito.
Eu fiquei impressionado com a queda da varanda. Julguei estarmos a salvo pois a minha vizinha do lado, a Dona Freira, sempre foi muito religiosa e rezava imenso tendo afirmado que o prédio não iria cair porque Deus não deixava. Eu confesso que admirei muito a senhora, afinal não pensei que tivesse fortes conhecimentos de engenheiria, mas aparentemente não rezou o suficiente e Deus aborreceu-se certa madrugada só para ver o que acontecia. Claramente a senhora não fez um bom trabalho e não podemos confiar nos outros, tendo eu começado a rezar a minha parte para me salvaguardar a pele.
A polícia chegou e após uma breve olhada chamou de imediato os bombeiros e proteção civil. Os bombeiros, como sempre, impecáveis. Mas nem toda a ajuda foi boa.
O que foi pedido aos moradores, essencialmente, era sairmos de casa, por razões óbvias. Mas não era fácil convencer uma população idosa que viveu a vida toda ali. O Tratado foi de arranjarmos qualquer espaço para ficarmos até, dentro de 3 dias, sermos colocados em alguma casa fornecida durante as obras necessárias para garantir a segurança. Assim, foi convencida a população. Portanto, para a rua foram pessoas como uma grávida de 7 meses, três idosos doentes e dois cegos. Especial ênfase nos meus vizinhos cegos que têm a casa adaptada para as rotinas do dia a dia. Isto vai ser importante, apontem.
O importante era a segurança e deram-nos a chance de levarmos o essencial. Nestes momentos o essencial é muito vago, ora fosse visto pela vizinha Freira a levar um pequeno vazo. Parece tremendamente inútil, mas creio que é pela sensação de levar um pedaço de casa com ela, além de poder ter outras razões místicas que podemos nunca vir a descobrir.
Escusado será escrever sobre o horror de ver idosos a serem levados de casa onde vivem toda uma vida, deixando tudo para trás. Estávamos todos convencidos que era para nossa segurança, mas sabíamos ser um futuro incerto. De momento, tínhamos de confiar naquelas equipas, mas o receio de ser o final dos nossos lares esteve sempre presente.
Fomos todos para casa de familiares com a excepção dos meus vizinhos cegos que foram para uma pensão com a filha.
Avisei o meu pai que íamos todos (eu, as minhas senhoras, a minha avó e a minha tia) para casa dele porque o prédio caiu, ao que o meu pai responde "Tá bem". É um homem de poucas palavras, mas complexas. Lá chegámos, levados pela polícia e repousámos para debater, acalmar e rir das tentativas de acalmar. A nossa sorte foi a minha tia não ter decidido trazer uma planta mas sim metade de uma sopa que tinha feito. Tínhamos, contudo, outro sarilho pelas mãos. A gata da minha tia estava em território do nosso gato-raptado-pelos-meus-pais. Encurtando a história, não se deram bem devido a divergências políticas.
A família estava agora toda reunida sem saber como lidar com a situação. Quartos haviam e sobravam, mas o espaço ficava cada vez mais curto com o passar do tempo no meio de tanta gente. Sabíamos que três dias talvez fosse uma força de expressão, por isso aguardámos uma semana. Até que recebi uma chamada, mas não era da Proteção Civil ou do Hospital.
Era do Teatro S. Carlos. Aparentemente andaram a arrumar umas caixas e a meter o que não interessava para o lixo quando apareceu o currículo que enviei algures em 2010/2011. Deduzo que me tenham chamado pela minha altura, já que a experiência naquele currículo não seria muita. Ao início recusei por estar a aguardar uma resposta de trabalho e estar numa total incerteza com a vida. Além de não ter casa, tinha um bebé prestes a nascer. Que disponibilidade teria eu? Como raio iria aos ensaios? Foi então que me falaram no salário e lembrei-me que tinha muito amor pela arte. Fora de brincadeiras, se o Hospital não resultasse, teria o trabalho como figurante, apesar do horário absolutamente merdoso não fosse um trabalho de teatro. E sempre seria mais próximo do que eu realmente gostava de fazer na vida. Figuras.
Aceitei ir ao casting.
Lá estávamos em Lisboa, reunidos em casa do Engenheiro Pipas, a fazer tempo para o propósito da nossa viagem até à capital: o meu casting. Mas aqui, apercebemo-nos que os três dias eram agora quase duas semanas, o que é mais tempo do que parece para alguém que não pode planear o futuro. A minha namorada decidiu ligar para o número no cartão que nos deram. Quando nos desmentiram que nos arranjavam uma casa temporária, a minha namorada pediu, ao menos, e sem pensar muito no que aquilo implicava, que nos autorizassem a passar na nossa casa para apanharmos as coisas da nossa filha prestes a nascer, quando lhe respondem "vá à Santa Casa pedir o enxoval".
Não estávamos a pedir nada além do que era nosso. E aqui, fiquei possesso. Existe uma distinta diferença entre dizer "levem coisas para três dias" ao invés de "logo se vê". Tínhamos as coisas, mas não nos deixavam tê-las. Aqui foi o meu ponto de quebra que me levou a tornar no homem que devia ser para a minha namorada.
O importante naquele momento foi acalmar a minha namorada, acima de tudo, pois não era hora de se enervar mais do que já andava. Quanto a mim, o último lugar onde queria estar era num casting. Mas após discutir e ser praticamente expulso por todos, acabei por ir, no meio dos nervos e contrariado fosse com o casting, fosse com tudo na vida. Nada corria bem e tudo corria mal. Caminhei em piloto-automático até ao teatro S. Carlos e entrei. Sabia que se era para ter alguma hipótese, eu teria de esquecer tudo por um momento. Na verdade, usei os meus nervos da situação para estar completamente descontraído no casting pois, de facto, tinha mais com que me preocupar.
Estávamos todos numa sala de ensaios. Sabemos que é uma sala de ensaios pela desarrumação de velhos figurinos. Eu gosto de trabalhar assim, confesso, faz-me sentir em casa e faz imaginar que histórias foram contadas com aquele pedaço de esferovite pintado. Faz-me entrar no mood certo. E aqui apercebi-me imediatamente que não tinha qualquer hipótese. Ao meu lado tinha várias pessoas em licra apertada. Eu era o único ser humano de calças de ganga e ténis em vez de sabrinas. Certo, as minhas calças eram apertadas, mas não revelavam os meus genitais o suficiente. Ou pelos menos quero acreditar que a culpa era das calças. Mas ao meu lado, além do cheiro de collants cheias de pó, tinha pessoas a florirem. Davam piruetas no chão como rappers elegantes e desabrochavam como lindas papoilas. Eu fiquei quieto. Eu entendo perfeitamente que é o modus operandi para aquecerem e abrirem a mente para o teatro. Simplesmente sempre fui maior fã de encarnar a personagem quando a tivesse estudado e não creio que fossemos fazer de Jardim da Celeste. Conseguem imaginar o Peter O'Toole a esticar as nádegas no ar antes de encarnar as persoangens? Se calhar até foi esse o segredo. Se calhar Marlon Brando fazia o helicóptero antes de encher a boca de algodão. Ou durante.
Após verificar que estava a competir com o Cirque Du Soleil, entra o Sr. que me contactou e o Encenador. Sabemos que é o Encenador por usar um cachecol num dia em que o ar está abafado. Defendo que o calor naquela sala piorou consideravelmente com a presença daquele cachecol.
Começou por agradecer a nossa presença e insultar indiretamente quem faltou sem avisar. Compreensível. Pusemo-nos em fila horizontal e o Encenador foi entrevistando um a um para saber a nossa experiência e disponibilidade. Chegando a minha vez, falei que fiz teatro e estava habituado ao palco, tendo disponibilidade total, desde que não fosse aceite numa entrevista de trabalho pelo qual aguardava a chamada, uma resposta que não fui o único a dar, muitos aguardavam pelas chamadas de outros empregos.
Mas fui eu que derrubei as collants todas. Fui um actor incrível. Tenho disponibilidade total? Mas que performance! Mas o Encenador respondeu: "Não será preciso". Um presságio digno de cinema.
Foi então que tivemos o nosso exercício eliminatório. Foi-nos dada indicação que a peça envolvia um império e nós seríamos os guardas. Deram-nos uma lança em madeira para seguramos e pediram para nos habituarmos a ela. E lá estávamos nós, a brincar com paus. Seguidamente, de pau na mão, ficámos em fila e deram-nos uma ordem. O Encenador pegou num pau e segurou-o firmemente. O Encenador e o pau eram um só. Todo ele era um pau. E ordenou, simulando, que caminhássemos em sentido e, chegando à linha no chão, déssemos um golpe que simulava uma posição de defesa ofensiva, como guardas romanos contra o Obélix.
O primeiro grupo caminhou e fez um grito de guerra quando atacou. Eu estava no segundo grupo. Prestes a receber o sinal, encarnei o meu guarda sem ter de abrir as pernas como uma borboleta. Simplesmente, entrei na mente de um soldado espartano em cuecas mas com uma belíssima capa vermelha que apesar de ter perdido os seus antigos part-times como advogado num escritório no Amoreiras e à noite como vendedor de anéis em silicone com LED's alternados no Bairro Alto, estava satisfeito por poder servir o seu povo uma vez mais e ganhar pontos sobre o direito à custódia dos seus três filhos, o Samuel, o Júnior Sénior e a Catarina. E assim, agarrei o meu pau vigorosamente, e caminhei em frente, confiante que era isto que eu queria, agarrar num pau.
Lançaram todos um grito de leão que acabou de entalar os testículos. Eu lembrei-me do Stanley Kubrick e pensei: ninguém me pediu para gritar, o mais certo é levar uma chapada se o fizer. E deste modo, apenas agarrei no meu pau e coloquei-o em posição de ataque, como há muito não o fazia.
Tivesse gritado ou não, o resultado seria o mesmo. Houve uma breve reunião entre o júri e estava decidido. Chamaram as raparigas que foram péssimas e expulsaram-nas. Depois, chamaram os rapazes que foram absolutamente horríveis. Que não foram muitos, fui apenas eu. Acenei entendendo perfeitamente a decisão, e genuinamente entendi. Claramente não estava enquadrado para aquela peça, mas cismo que foi apenas pelo meu aspecto físico. Além do guarda-roupa desadequado, era o único actor com uma barriga de cerveja e óculos. Talvez pudesse fazer de Rancor gordo com miopia, mas a decisão estava feita. O Sr. que me telefonou para o Casting não me deixou abrir a porta sem me ter agradecido pela presença. Gostei do Sr.
Após atravessá-la, surge o Robin Hood que me diz "espera Bruno!". Eu olho, a achar que era desta que me casava, quando ele me tenta confortar dizendo que estive bem e que estas coisas acontecem e é importante não desistirmos. Não me recordo se ele realmente disse que eu estive bem. Eu agradeci e tentei explicar que era na boa pois não era a primeira vez que fazia um casting, conhecia o processo, mas nada o impediu de me calar com um abraço e voou para dentro como uma joaninha. Naquele momento, pareceu-me um pouco condescendente, mas sabia que no fundo foi só simpático.
Apesar de não ter sido avaliado pelas minhas capacidades além da forma como seguro num magestoso pau, foi uma boa experiência e uma honra ter tentado a sorte num teatro como o S. Carlos. O grupo era porreiro, ainda que o Encenador não me parecesse muito interessante. Sublinho que não o estou a caracterizar pelo seu trabalho, que nunca vi, apenas por não me ter convencido tal como eu não o convenci. Creio que nos respeitámos em simultâneo por isso mesmo.
Sei também que falei durante muito tempo sobre genitais neste capítulo. Isto são histórias para a minha filha ler no futuro e quero que ela entenda como é o mundo das artes. Ou se agarra bem no pau, ou não se vai a lado nenhum.
Regressei a casa do Engenheiro Pipas, e contei a história em detalhes semelhantes. Deu para rir e esquecer um pouco a nuvem negra sobre nós, mas lá tivemos de voltar ao mundo real. Fomos durante a viagem até a casa dos meus pais a degustar o maior problema: como dizer à minha tia de 90 anos que não nos iam ajudar e era incerto quando poderíamos se quer voltar? Ela que se farta de estar numa casa que não a dela ao fim de uma hora.
Até que a minha mãe teve uma ideia. A minha mãe apercebeu-se que vivíamos em Portugal e que tudo pode ser resolvido com cunhas. A minha mãe falou com um ser humano incrível e o mesmo limitou-se a fazer um telefonema. No dia seguinte, lá estávamos nós na nossa casa, com os bombeiros e com a proteção civil. Passei pelas seguranças improvisadas e fui com um bombeiro à minha casa. Uma vez mais, descontrolei-me. Apanhar a roupa da minha filha, o colchão, fraldas, tudo quanto fosse necessário, desgastou-me emocionalmente e desabafei com o bombeiro que me disse que assistem muito estas situações de prometerem alojamento breve e deixarem de comunicar. Os meus nervos eram tantos que desliguei uma chamada no telemóvel. Não era um momento conveniente para atender publicidade. Levei também objectos como a nossa televisão e outros aparelhos electrónicos, afinal, a casa ficaria ao abandono. E o último artefacto que apanhei foi um pequeno urso de peluche, que foi um acto que me trouxe lágrimas. Era inútil, seriam longos meses até ela brincar com aquilo. Mas tinha de trazer algum brinquedo dela, tinha de trazer algo infantil comigo. No fundo, era a minha planta misteriosa. E foi quando recebi outra chamada do mesmo número. Aqui apercebi-me que talvez não fosse publicidade a um seguro de saúde mas sim uma chamada do emprego. Atendi, com a melhor voz possível e larguei todos os meus nervos, qual actor digno de trabalhar no teatro S. Carlos. E estava correcto, era o trabalho. Fui aceite. Mas recebi outra chamada, desta vez a minha vizinha Patrícia, a Doutora, filha dos meus vizinhos cegos ao qual avisamos-lhe para aparecer também e vir buscar o que pudesse. A Patrícia, a Doutora, ligava-me a pedir para me despachar porque a mulher da Proteção Civil estava a por a minha namorada a chorar. Estamos a falar exactamente da mesma pessoa que falou com a minha namorada ao telefone, estando a discutir com ela que foi muito mal educada. Posso comprovar que não foi, eu estava ao lado dela durante a chamada e lembro-me perfeitamente de a minha namorada ter dito "Boa tarde".
Nós tínhamos esta preocupação. Estávamos prestes a ter um bebé, vivíamos numa zona perigosa e não tínhamos empregos. Imaginámos sempre o pior para a nossa filha, particularmente por conhecermos bem as entidades que nos protegem a todos, portugueses. Mas agora, mais do que uma estabilidade financeira, tínhamos maior segurança por eu ter um emprego.
Saí de casa, cheguei ao pé de todos, pousei as malas e disse: "Duas coisas: Primeiro, já arranjei trabalho."
Todos congratularam-me, incluído a Sra. da associação que nos protege, os civis. A Sra. profere o seguinte: "Ainda bem." Ao que respondo. "Pois é. A segunda coisa é que quero o seu nome, vou fazer reclamação". Assim o fez, assim o fiz.
Tivemos que improvisar um ninho em casa dos meus pais. Era do pior que nos podia acontecer, perdermos a mínima independência para cuidarmos da nossa filha, porque se há coisa que não se tem numa casa cheia de gente, é espaço e sossego. Não leva muito tempo até nos sentirmos dentro de uma garrafa de vidro fechada com uma vela acesa. Não erámos só nós que nos sentiamos mal, mas também a minha tia e os meus pais. Ninguém estava bem, à excepção da minha avó que apreciava estar em família, independentemente das razões que nos juntavam.
Estávamos agora sem o nosso lar que formámos com carinho e com esforço, sem saber como seria o futuro da nossa filha. Não poderíamos viver na incerteza, uma vez mais. Não com a nossa filha. Precisávamos de sentir segurança para sermos confiantes, e naquele momento, estávamos perdidos.
Mas com o passar do tempo, a solução foi-nos parecendo cada vez mais óbvia.