26 November 2016

Intermissão 01 | Chuva de Novembro | Ou: Relembra, Relembra, o 5 de Novembra


Neste texto a minha esposa conta a sua versão de como foi saber que viria a ser mãe.

Spoilers: ela descobriu.






Novembro...

 Há um ano atrás eu tinha muitos sonhos. Foi muito tempo a criar expectativas para o que viria a ser o nosso futuro. Estavamos finalmente na Dinamarca e estavamos finalmente a fazer coisas que apesar de não serem exatamente o que queriamos, eram o que nos dava esperança de um futuro melhor. Conseguimos um tecto nosso, um curso, e um dia a dia que, apesar das dificuldades, estava a ser o que sonhámos – não queriamos muito mais, tinhamos o suficiente para poder respirar tranquilamente.

Não me lembro de a minha vida ser fácil ou descomplicada. Não me lembro de ter um natal ou um aniversário em que me sentisse realmente feliz. Mas há um ano atrás, por muito mal que a experiência estivesse a correr, lutar por o que acreditavamos para mim fazia todo o sentido e apesar de às vezes não o demonstrar, eu estava realmente feliz. O dinheiro é sempre um problema mas a esse problema eu já estava mais que habituada. Estava feliz porque estava com o amor da minha vida a lutar pela nossa felicidade e estabilidade.

Este desvaneio todo veio porque em novembro do ano passado comprei um teste de gravidez num supermercado ao pé da universidade com a única amiga a sério que fiz no curso.

Comprei-o e voltei para as aulas – escusado será dizer que com o teste na mala não consegui concentrar-me mais. Comprei-o por volta das 12h e ainda tinha que aguentar ate às 21h para o poder fazer (hora em que chegaria a casa). 

Mas...

Aquele teste na mala …

... eu nao consegui pensar noutra coisa.

Entre o intervalo da aula de construção (arquitectura) e da aula de dinamarquês, peguei na mala e fui fazê-lo numa casa de banho da universade longe de todos. Eram 15h e apesar de já ter feito um teste de gravidez antes, este deixou-me muito nervosa. Teria de aguardar 5 minutos infernais para descobrir mas nem 30 segundos passaram e deu positivo.

Olhei para a caixa com os simbolos e olhei novamente para o teste. Estava em choque.

Fiquei à espera que os 5 minutos passassem e preparei-me para o negativo. Não podia deixar a minha mente divagar, tinha de esperar pelos 5 minutos. Passaram horas... olhei novamente e continuava positivo. Entrei em choque. Não sabia como reagir. Mandei uma mensagem ao bruno a dizer que o tinha feito e aqui arrependo-me um bocadinho porque arranjei a maneira mais parva de lhe dizer que estava grávida. No chat do Facebook. Mas não consegui esperar mais tempo. Disse-lhe que tinha feito o teste e deu...

“positivo”


A primeira resposta dele foi: Amo-te muito!

Voltei para a aula de dinamarques e aguentei a primeira meia hora... mas tive de pedir licença para sair, a minha cabeça estava a mil e o último sítio onde queria estar era ali. Peguei na bicicleta e comecei o caminho para casa. Entre choque e lágrimas e o frio dinamarquês, a minha energia era tal que penso que foi a vez em que cheguei mais rápido a casa. Não queria acreditar.. e agora? O curso? A dinamarca? A casa? O Bruno? Já tinhamos falado sobre o assunto, mas eu nunca consegui perceber a posição dele (eu sabia que ele queria muito ser pai mas não agora). Passaram-me tantas coisas pela cabeça. Senti-me muito culpada senti-me vazia. Só queria gritar mas nada saía. Senti-me sozinha e assustada, algo que não sentia desde que conheci o Bruno, mas agora tudo estava a voltar ao que sempre passei, à instabilidade, ao descontrolo do rumo da minha vida.

Cheguei a casa, sentei-me na cama e esperei pelo Bruno. Deixei ser ele a tomar a decisão. Eu não conseguia dizer ou decidir nada e fui uma cobarde nesse aspeto mas naquele momento eu senti o meu mundo a desabar e não sabia como reagir.

Ele disse que conseguíamos, que íamos arranjar trabalho, que íamos ao médico confimar tudo e que íamos andar com a gravidez para a frente.

Vê-lo tão convicto.. tão seguro.. fez, ao contrário do que possa parecer, com que eu tivesse mais incertezas de tudo. Mas depois da conversa toda ele disse que ia ao supermercado comprar o nosso jantar e saiu a dizer “então vá, fica aí com o meu filho”..

Filho? Filho?! Aquela palavra caiu como uma bomba e fez-me sair do choque. Filho? Entao quer dizer que vou ser mãe? Eu mãe? Sorri e provavelmente foi o sorriso mais feliz e honesto da minha vida até então.

Ia ser mãe.. e o Bruno ia ser pai! (o melhor pai, disso mesmo antes disto tudo eu tinha certeza) mas eu mãe!? … o maior medo da minha vida (atenção eu queria ser mãe mas..) estava prestes a acontecer, ou melhor já estava a acontecer.. EU! Mãe! Com um filho! Na minha barriga! Não consegui parar de sorrir! Estava tão feliz! Sinto muitas saudades desse momento! Foi realmente mágico ouvir aquelas palavras!

E ganhei assim um novo chão para pisar e um novo sonho para viver.







18 November 2016

Episódio 03 | Grandes Apuros na Pequena Chinabox | Ou: Dá para mais de Quarenta Copos

God Damn it Anders



Esperei que os meus colegas dinamarqueses chegassem todos à sala e contei a novidade: vou ser responsável por um outro ser que dependerá de mim.

Obviamente, nenhum deles estava à espera. 

Como fui eu capaz de perder a virgindade?


Quem? 

O Bruno? 

O Português?


Ofereceram-me os parabéns, mas o Jonathan ficou apreensivo. Como iria eu ser capaz? - questionou-me. Irei voltar para Portugal?


As mesmas questões que eu ainda me fazia, como qualquer um. O plano era mesmo conseguir um contracto e estariamos safos pois teriamos apoios e, após nascer, o dinheiro não seria mais uma preocupação, felizmente. Só era necessário um contracto de um part-time, onde fosse...

Após algum trabalho da minha parte, saí mais cedo da nossa sala de trabalho e fui a correr apanhar o autocarro em Nytorv para a minha próxima aventura.
Trabalhar nas obras assegurou-nos o mês de Novembro, mas estávamos perto da realidade de lutar por um mês de cada vez. A verdade é que, por agora, estávamos à mercê da palavra de outros que precisassem de nós. Surgiu-me então a próxima proposta: lavar pratos.

Lavar pratos é dos trabalhos mais populares para um emigrante. Visto eu ser um homem do século XXI, eu já lavei pratos na vida. Só não tinha experiência à escala de um restaurante, por mais feijoada que se fizesse em família. Eu não substimei a dificuldade, mas admito que sempre que imaginei como seria, só me visualisei a lavar pratos muito rápidamente.

Claro que seria um pouco mais complexo.

Cheguei ao centro comercial Shoppen, que sempre me pareceu uma nomenclatura preguiçosa, e dirigi-me ao restaurante chinês onde se podia comprar caixas com comida chinesa, chamadas China boxes. O restaurante chamava-se Chinabox. Nota-se um padrão imaginativo.

Duas ou três palavras com a primeira pessoa que vi no balcão e entrei cozinha adentro. Retirei o meu casaco e vi-me à rasca para fazer o nó no meu avental. Sabia que devia ter ido para os escuteiros. Ao mesmo tempo, isso privava-me de ter uma rapariga a fazer-me o nó à cintura, tão perfeito que era mal empregado.
Não havia tempo a perder, já havia louça por lavar por isso seria ensinado ao longo da tarde, entre as 16h e as 22h, se não estou em erro. O que há para saber? Meter detergente num escovilhão industrial e esfregar? Sim, em primeiro lugar. Depois mete-se numa máquina quadrada para ser lavado. Fácil. Depois retira-se e seca-se alguns utensilios. Depois arruma-se os pratos e talheres lá fora para os clientes. Depois arruma-se uma colher especifica num sitio que não faz muito sentido. Depois arruma-se uma colher ligeiramente diferente num sitio oposto. Não esquecer as tampas que vão para aquele lado e não para o outro, para o outro são as outras e não são essas mas aquelas. Falta as travessas que vão para o chão ao lado do cozinheiro e as terrinas que são lá fora, logo após deixar as panelas de molho. Tudo isto feito por mim, ao mesmo tempo. O que fizesse, estaria a atrasar outras tarefas. Não havia tempo para nada, nem para aprender. Quando soubesse tudo, surgia um instrumento novo que foi lavado uma só vez o dia inteiro, com uma prateleira única lá em cima. Era caótico, como se espera de um restaurante. Mas, afinal, era só o meu primeiro dia, estava a aprender...



...num centro comercial...



...em pleno Black Friday.





O pior era as caixas de aluminio de sopa de tubarão. Nunca vi comida tão gordurosa, e eu cheguei a comer na cantina da minha escola. Três ou quatro vezes na máquina não chegava para retirar tudo e o tempo que levo para esfregar, pôr na máquina e repetir, como disse, atrasava tudo. Não ajudava o ralo entupir e ter de limpar enquanto mais louça se acomulava. Tudo isto num chão incrívelmente escorregadio. Felizmente, nunca caí nem parti nada.

O que eu mais gostava era de levar uma palete cheia de copos pois tinha de os arrumar lá fora por ordem de tamanhos e de temperaturas; os que estivessem quentes ficavam atrás até arrefecerem. Era quando respirava um pouco, ainda que a correr. O senão era eu começar a pensar no quão detestável era este trabalho.

Havia uma pausa de 10-15 minutos em que podiamos comer tudo o que quiséssemos. Era altura de relaxar e falar com a colega que me dava ordens. Agora era simpática e entre o pouco de conversa que tivemos, pediu-me desculpa se eu achasse que estava a ser agressiva na cozinha comigo. Eu sempre percebi o porquê de ela me ralhar e nunca achei injusto nem retribui nenhuma angústia internamente. Cheguei até a agradecer-lhe por me chamar à atenção.

A familia chinesa trabalhava toda no restaurante e os jovens emigrantes como eu tratavam das limpezas e de servir às mesas. De quem eu mais gostava era do Chef pois não chateava nem queria que o chateassem. Algumas travessas era ele próprio que levava para a sala do buffet, com orgulho notável. Lembro-me de ele quase chocar contra mim (sublinho que seria culpa dele) mas ter uma habilidade incrível para me desviar com o respeito oriental que vemos nos filmes. Era um Senhor. Só é pena não cozinhar nada de jeito.

A contar com onde trabalhei, experimentei 3 restaurantes chineses, todos com o mesmo conceito de chinabox. Todos com o fantástico sabor a cartão. Exceptuando umas bolinhas de frango frito que eram deliciosas, posso afirmar com o meu selo oficial que não há restaurantes chineses de jeito em Aalborg e que o nosso pior restaurante seria um sucesso na cidade. Nem noodles sabem fazer. Fico mais satisfeito com os pacotes da Koka. Para ajudar à minha opinião, os noodles eram feitos num alguidar no chão ao pé dos meus ténis que na semana anterior estiveram na terra de uma quinta. É certo que estavam num alguidar, mas é um respeito interessante pelo cliente.

Nem toda a comida sabia mal


O trabalho não me cansou, apesar de stressante. Mas à semelhança com o cimento, também as minhas mãos sairam queimadas dos pratos quentes que tinha de segurar, em pilha, com a minha vida. Para ajudar, enquanto retirava a louça da máquina tinha água a ferver a pingar em cima dos meus braços. Não fosse eu achar que Deus gosta de mim, ainda me cortei num dedo com um arame do esfregão de aluminio enquanto esfregava forçosamente.

"Não tinhas luvas?"

Nem tinha ordenado, quanto mais.


Saltei essa parte? Então esperem:

O combinado era eu aceitar trabalhar dois dias à experiência e depois chamavam-me quando quisessem, não mais do que dois dias por semana, a receber 50kr por hora (metade do considerado minimo Dinamarquês mas ainda acima do minimo Português), e, claro, sem contracto.

Um amor. A exploração mais semelhante a um estágio do IEFP que encontrei por lá. Todavia, o meu desespero era tanto que eu vi-me sem alternativa se não aceitar ser uma prostituta. E lá nisso, pensassem eles o que quisessem, eu fui um trabalhador eximio de uma soberbidade não antes vista. Trabalhei de borla, por isso, o meu trabalho foi magestral e eles que espetem os pauzinhos no Chau Chau.

No final do primeiro dia, eu não me senti bem, espiritualmente. Cada trabalhador tinha direito a um pequeno balde de 500ml aproveitado de uma marca de cream cheese e podiamos encher com os restos do jantar. O Chef perguntou se eu queria algo da tal travessa que ele tão orgulhosamente preparou, antes de arrumar.
Eu disse que não, só queria encher-me de frango frito e inexplicavelmente de aros de cebola. Sem sabor, obviamente. Notei que ficou ligeiramente recentido, mas que se dane pois daquele cálice os meus padrões não tomarão. Sou um bom garfo, para não dizer que sou um bom pauzinho.

Ao fim do segundo dia, pediram o meu número de telemóvel mas não voltei a ser contactado.

Um mês depois vi uma publicação no Facebook de um grupo que acolhia as nossas denúncias de espaços como este onde fossemos explorados. Eu ponderei muito, muito mesmo em denunciar o restaurante. Mas houve quem conseguisse ficar por uns tempos e ganhasse algum [pouco] dinheiro. Se não fosse este tipo de trabalho, os estudantes internacionais não teriam a minima hipótese. Além disso, eu não conseguia tirar o emprego a pelo menos duas pessoas que conheci, também como eu. Sei que pelo menos uma acabou por ser despedida mais tarde, mas foi melhor do que nada, infelizmente. Quase todas as pessoas que conheci ficaram com um trabalho (as poucas que conseguiram) onde eram pagas metade e trabalhavam o dobro. Mesmo as que tivessem contracto. Entre isso, ou nada, depressa aprendemos.

Mas como indiquei, eu não me sentia bem na primeira noite. À saída, optei por ir a pé até casa, percorrendo uns 10 Km ao frio da meia noite dinamarquesa.


E fiz o caminho a chorar.



Senti-me miserável, enquanto agarrava um pote de comida em vez de trazer dinheiro ou uma garantia que tanto precisávamos. Alguma estabilidade. Esforcei-me para nada, e senti-me derrotado e incerto de ser capaz, de estar à altura do que a minha familia merecia. Tinhamos um enorme alarme contra nós, pelas contas a pagar e para o que o nosso bebé precisava, que ainda não tinhamos. Senti-me magoado com a vida e com alguma vergonha de chegar a casa. Sabia que a minha vergonha era irracional, mas sentia-a, pois a minha namorada mostrava que acreditava em mim e eu não estava a ver motivos para tal.

Entrei em casa cabisbaixo mas disfarçando com o cansaço. Comi o que trouxe, já frio, contei como foi o meu dia e deitei-me com a minha mulher.


Com as minhas mulheres.



11 November 2016

Episódio 02 | É para a frente, Emigrante! | Ou: Com grande prazer, vem grande responsabilidade





 Peguei na minha bicicleta romena e fui a pedalar a toda a velocidade possível até casa. Com a excepção de três ou quatro semáforos, o trânsito era tranquilo e o meu pânico por chegar a horas ao trabalho enquanto assava a correia e garantia um feríado às pastilhas, dava um digno videoclip para os Fire Inc.

Isto até chegar à subida da morte.

Eu tentei subir por 4 vezes durante toda a minha estadia, mas depois de conseguir um 1/6 (uma vez fiz 1/5) desistia sempre e fazia o resto a pé. A humilhação era tanta que eu fingia às pessoas da paragem de autocarro que eu queria ir ao Føtex comprar algo mas na realidade dava a volta para concluir a minha peregrinação. A vergonha maior era eu chegar a meio a puxar a bicicleta e ver idosos a passarem por mim como se estivessem a pedalar na Praça da Figueira em vez de o Elevador da Glória.

Entrei pela casa, comi qualquer coisa rápido (ou pensei nisso) e peguei no meu trolley da Primark a caminho da estação de comboios. Em vez de seguir o meu plano original de fazer um caminho maior mas conhecido, decidi ir pelo Google Maps que me deu o caminho mais directo. Em teoria. Enquanto ouço Mad Max Fury Road, reparo que ainda estou a demasiados Km de chegar a horas e dou por mim num intenerário sem entroncamentos. Obviamente, meti na faixa Chapter Doof e corri que nem um porco quando descobre que a quinta dos donos carismáticos é na realidade A Ilha de Michael Bay. "Corre Michael Clarke Ducan, corre!"

Mas o Michael não correu. Não correu.


Por fim, sem água no cantil, cheguei suado ao parque da estação e pedi desculpa ao meu patrão pelo atraso, enquanto retirava a folhagem que colhi nas rodas da mala pelo caminho, de tal forma que foram arrastadas. Foi uma miragem bonita para os condutores, um desengonçado a correr ao lado da estrada com um trolley. Mais movimento que na IC19, lá nisso. Fiquei a saber que cheguei 25 minutos antes da hora e que teríamos de aguardar pelo meu colega de obra.

Eu já tinha trabalhado para o meu patrão (de forma a mascarar-lhe o nome, chamemos Notklaus). A minha esposa limpava a casa enquanto eu fazia jardinagem, mais precisamente, retirar raízes de árvores a 100kr cada. Durante as primeiras parecia-me um pagamento justo. À medida que apanhava raízes maiores, pensei em falar com o sindicato para ser ao Kg. Nada melhor do que retirar uma raíz com metade do meu tamanho com as mãos, em terra gelada a ponto da semelhança de escavar numa rocha e com flocos de neve a correrem-me pelo rego a relembrar no que me fui meter e no que viria a gastar em consultas de ortopedia. Trabalhei à volta da base de uma muralha que fora iniciada pelo meu futuro colega, ao qual o Notklaus pediu-me para ser assistente quando ele voltasse.

Quando chegou ao carro, cumprimentei o Tiago, também ele português. Era parecido comigo, de óculos e gorro mas chegava-me aos ombros, sendo que eu já estava habituado a chegar aos ombros dos Dinamarqueses (tenho 1,90m, entroncado). O carro do Notklaus era pequeno mas que bastasse. O único senão era o facto de estarmos a entrar numa lixeira. Era só merda. Desde pacotes vazios cobertos por terra lameada a restos de cenouras, feno e... quase de certeza que merda literal. Agora questionam-se:

"Lixo muita gente tem no carro e é natural os tapetes e mesmo estofos estarem lameados"

Costumam ter lama no tejadilho? Fora do carro, dentro do carro, no porta-bagagens do carro, no porta-luvas do carro, nos cintos do carro, na Seguradora do Carro, nas fotos no Stand Virtual do carro,... Sai mais limpo andar a cavalo e aposto que o combustivel dos dois veiculos era o mesmo, mas no carro a ordem de combustão era a contraria.

O Tiago e eu (com Jennifer Aniston e Owen Wilson) fomos nos apresentando e a falar do que faziamos por ali. O Notklaus pediu que falássemos em português, enquanto ele falava Dinamarquês com a esposa, a Naoseiquantas. Talvez fosse um fetiche sexual deles. Achámos estranho mas assim eu podia comentar à vontade que lhe viria a oferecer no Natal uma esfregona Vileda. 

O Tiago já andava nisto há um tempo e descobri que tinhamos mais em comum. Era pai de uma menina que estava em Portugal com a mãe enquanto trabalhava por Aalborg. A menina viria a fazer 1 ano no Natal e, felizmente, ele já tinha o bilhete para passar o primeiro aniversário com a filha. Não contei por imediato que eu ia ser pai, afinal eu próprio estava a digerir. Eu tinha a sorte de ter comigo a minha esposa, mas a verdade é que ainda residiam em mim inúmeras incertezas.

Chegámos à Quinta da Familia Galaró. Houve uma breve converseta de como seria o plano para o fim-de-semana e, claro, como seria o ordenado. Para o Tiago, o mestre da obra, 120kr por hora. Para mim, 100kr, o que era abaixo da média Dinamarquesa mas justo o suficiente.

A quinta era composta por duas moradias encostadas. Ficámos na outra casa, limpa pela minha esposa, e pousámos a respectiva tralha. Eu fiquei no quarto e o Tiago preferiu ficar na sala. Tinha o triplo do espaço mas dormiu num sofá tão mau que era considerávelmente mais saudável para as costas dormir nas escadas da Loja do Cidadão nos Restauradores, incluindo as proteções para impedirem que alguem descance a noite em luxo. Mas não fosse o Tiago ter conforto a mais, dormiu ao lado de um rato morto que estava encostado a uma caixa vazia de Jelly Beans com sabores bizarros. Mas assim estava mais perto do modem para iniciar o seu ritual de falar com a familia por Skype e poder ver a filha à distância, outro clássico de um emigrante ou de quem vai passar o fim-de-semana a Santarém. Eu quis fazer o mesmo mas descobri que levei sem querer os dois carregadores dos portáteis, levando uma descasca valente da minha namorada até ela ficar sem bateria. Mas o amor trabalha de formas misteriosas e eu sabia que, mesmo à distância, com a Lua cheia, ela ainda me estava a odiar.

Eram 7h da manhã quando começámos a preparar o pequeno almoço. Era inútil acordar mais cedo pois não se via nada na rua antes das 8h. O Tiago colheu alguns mantimentos que tinha guardado no armário da casa enquanto que eu saquei da minha arma secreta: a tostadeira que trouxe comigo!

Tinhamos que fazer um muro com, assim por alto, uns 30 metros de comprimento? E 3,50m de altura? Se parecer bastante então é essa medida. Começámos a montar os blocos de betão armado e a encaixar as vigas alternadamente. Depois, enquanto o Tiago limpava o espaço e montava a betuneira, eu fui de carrinho de mão buscar com uma pá a areia e gravilha até o peso ser equivalente à minha consciência. Uns 7 carrinhos depois, fui buscar a água das chuvas recolhida num barril, utilizando 2 baldes partidos. Com o tempo tornei-me bom a fazer massa, segundo o Tiago. E realmente deixava-a com a consistência ideal e boa de Sal. Aos poucos fomos enchendo as colunas do betão, um processo que demorou mais do que previamos, não ajudado pelo facto de o muro já estar maior do que eu e ter de perder tempo a montar o andaime para que eu pudesse chegar com o balde de massa acima. Admito que o Tiago foi crucial para o fim quando os meus braços não podiam erguer mais. Trabalhámos até não haver mais luz, que era a partir das 17h. Às 18h já nem a escuridão viamos. Por nós, trabalhávamos mais mas era impossível ver o que fosse.



Como imaginam, o trabalho era de enorme esforço e quando me deitava sentia as costas a dizerem: "estavas melhor a trabalhar na multimédia". Mas tenho boa memória do trabalho pois tive uma determinação incrível, abdicando de almoçar só para adiantar o que pudesse. A determinação vinha por base de eu sentir que tinha de fazer isto pelo meu filho. É certo que faria o trabalho de qualquer maneira, mas teria tanta força para erguer tantos blocos e carregar tanta areia e cimento? O cansaço no corpo era enorme, mas a minha mente estava melhor do que nunca. A força que o meu bebé me deu foi crucial para aguentar o que viria nos próximos tempos.

Eventualmente desabafei ao Tiago. Falámos sobre a perspectiva dele e sobre a minha, o que eu receava mais e o que planeava (em tão pouco tempo). Pela familia do Tiago, que me recorde (não me sinto confiante da memória), não foi uma notícia fácil de se receber mas que com o tempo acostumaram-se.

Menos mal que comigo viria a ser tranquilo.

Representação visual da tranquilidade a chegar-nos


Eu gostei bastante do Tiago, serviu de uma espécie de espelho ao que viria a ser o meu futuro, pelo menos até então. É também um exemplo tipico de o emigrante longe da familia que vê o filho crescer num ecrã. Uma realidade bastante triste, mas com a melhor das intenções. Nunca mais soube nada do Tiago. Espero que tudo lhe corra bem pois foi um bom Português lá fora, que muito me ensinou em pouco tempo e que, do que conheci, será motivo de orgulho para a filha. Um Abraço!

Onde eu ia? Ah sim, o trabalho. Apesar de eu estar a receber abaixo da média do setor, era o suficiente para pagar as contas. Estava a receber, em média, 100€ por dia, tendo feito 400€ por quatro dias de longo trabalho. Felizmente sobrou para eu comprar creme Nivea, pois trabalhar com cimento portland queimou-me as mãos. As luvas que tinha disponiveis estavam esburacadas, e o cimento portland tem o bónus hilariante de absorver toda a humidade das mãos a ponto de os meus dedos parecerem mumificados. Além do cansaço, as mãos doiam-me por a pele estar a fazer um esforço tremendo para se esticar. É suposto ter água limpa e corrente à mão para ir lavando, mas só tinhamos o barril da água do cimento. Ao inicio ajudou, assim como no dia em que trabalhámos à chuva, mas quando o barril ficou vaziou a nossa única solução era ir buscar água, 2 em 2 baldes, ao rio gelado do outro lado da quinta. 


Infelizmente perdemos a oportunidade de cantar "Água gelada que nem cornos, da ribeira..."


O detalhe crucial de trabalhar numa obra é que a mesma, portanto, acaba. E não voltei a receber tão bem.

Cheguei a casa com a roupa estragada do cimento, com as mãos arruinadas e com o corpo preparado para descansar na nossa cama de solteiro para crianças do Ikea. Mesmo assim, ainda hoje preferia voltar ao mesmo trabalho, não pelo dinheiro, mas pela força e orgulho que senti, por uma vez.

Isso e porque fui um emigrante a trabalhar nas obras. Que clássico!






04 November 2016

Episódio 01 | Prologo | Ou: Por Favor, não percam o próximo episódio, é só mais um bocadinho


A nossa história começa, como tantas outras, com um casal apaixonado.

Ela- Eu amo-te!
Ele- E eu a ti morzinho!
Ela- Anda ter filhos de forma planeada num futuro próximo o suficiente após organizarmos as nossas vidas.
Ele- Claro que sim dentinho da minha placa.
Ela- Oh! Vem cá!


E assim não foi.






Olá, o meu nome é Bruno mas podem-me chamar Bruno Duarte. Sou jovem, irresponsável, e fui pai aos 24 anos. Venho por este meio narrar os pontos de vista de jovens seres a descobrirem o que é germinar e cuidar de um outro ser, irónicamente, mais responsável mas igualmente herege pois Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados e visualizou com uma exactidão impecável que 2016 anos depois uma bebé seria pecadora a ponto de ter de ser lavada num bacio para limpar impurezas. Em troca de ouro e prata.


Ainda vou fresco nesta aventura, quase 4 meses feitos assim que completo este texto para ser algo exacto. Para já, argumento que a experiência de um jovem pai não é nada fácil. É como ser um pai maduro, mas com mais olhares de idosas.


Este blog nasce da ideia de os meus amigos do Facebook aperceberem-se que os meus estados sobre a minha filha são 3x mais populares do que os meus restantes trabalhos, tendo o potencial para tornar-se numa obra independente como a formação do Relvas.

John Cleese refere que a melhor fase para se escrever uma biografia é a infância pois já podemos analisar de forma objectiva enquanto que situações recentes tendem a ser visualisadas através da influência do nosso ego actual. É algo que me apercebi sozinho com o tempo e de facto, olhando atrás, dá muito mais sentido à forma como decorreu a minha infância. Naturalmente arruina então o potencial absoluto de falar sobre esta história. No entanto, acredito também no poder futuro de reler daqui a uns anos e surpreender-me com a minha mentalidade neste ponto de referência, para o bem e para o mal.


A relação com a minha mulher sempre foi muito bem aceite por toda a gente e em particular pelas nossas familias que não têm qualquer problema connosco. Foi por isso que decidimos fugir deles para a Dinamarca e arranjar uma desculpa que lá fora é que é.

E nunca perguntei por direções



 E lá fora é que foi. Para nós, passaram-se uns 6 anos onde vivemos num Hostel da morte, onde entrámos na casa de dois drogados que queriam mesmo, mesmo, mesmo que ficássemos com o quarto, onde entrámos numa outra casa de um Russo que tinha um Indiano com o pé engessado que nos vendia o quarto mas a momentos da transferência o Russo aceitou outras pessoas que não aceitaram o quarto o que fez com que o Russo nos quisesse de volta mas eu disse-lhe que eu venho do bairro da Bica e não estou para isto, até que, eventualmente, começámos a suspeitar que algo estava... diferente...

A minha mulher começa a vomitar. 

"Querida, não é para tanto! Eles têm bons cirurgiãos que me podem remendar a cara!", disse eu, determinado em resolver o meu aspecto de uma vez na Cuf estrangeira.

E assim foi, durante uns tempos a minha esposa aceitou-me melhor e os enjoos passaram.
Todavia, tempo depois, algo estava de novo diferente. A minha amada não estava a desmaiar com dores há muito tempo. "Fofinho, temos de ir ao médico. Estou bem há demasiado tempo"


Numa quinta-feira em Novembro, pouco tempo após arranjarmos a nossa casa definitiva em Borgmester Jørgensensvej, depois de Nytorv, ao chegar ao Nordkraft, subindo tudo até Sohngårdsholmsvej; eu estava a ensaiar sozinho em casa a minha apresentação para o dia seguinte na Universidade de Aalborg, em Badehusvej (se bem que na altura não sabia se seria em Strandvejen; sei é que seria perto de Porthusgade). Desta vez eu iria representar todo o meu grupo com o nosso projecto, sendo que seria uma pré-avaliação antes do Dia D. Na casa, vivia eu, a minha esposa e uma outra rapariga com quem dividiamos casa ilegalmente. Por uma rara vez, eu estava sozinho em casa, a falar inglês de um lado para o outro no meio da sala. Até que fui interrompido por uma chamada da minha mulher:

"olha... Mor..." *abalada*
"O que se passa?"
"...pagaste a Telia este mês?"
"Sim."
"Pronto"
[Telia é um serviço de telecomunicações como a nossa Meo, Vodafone ou NOS, mas onde nos enrabam de forma mais elegante como se fossem britânicos enfadados]
"Ah é verdade, estou grávida e tal."

Parte de nós sabia. Duvidámos que aconteceria, mas suspeitávamos. E deu-se um pequeno silêncio. Não irei disfarçar que foi um momento mágico em que pulei de alegria. Ela estava nervosa e eu não sabia bem o que dizer, a não ser: "vem para casa, precisamos de falar"

Tal como um filme, a sala ficou cinzenta com o infame tempo Dinamarquês e as horas demoraram-me a passar até ela chegar e eu sem saber o que dizer ou achar. Não senti nada quando soube a novidade. Talvez uma percentagem esperada de medo, mas foi tudo muito racional para mim. No fundo, era simples: abortamos, ou não abortamos.
Pensei em todos os detalhes, sem rodeios e objectivo, vendo os pontos positivos e os negativos de cada decisão. Não desesperei com o "e agora o que fazemos? A nossa vida acabou!", pelo contrário, fiquei calmo mas com uma decisão de grande responsabilidade. Até que finalmente chegou, sem saber o que sentir mas sem qualquer animação. Sentou-se na cama e falámos.

Aqui tive talvez a minha única atitude machista, que me perdoe a Rita Ferro Rodrigues. Foi uma decisão dos dois, mas senti que tinha a palavra final. Isto porque eu conhecia-a. Eu sabia que, embora ela entende-se qualquer decisão racionalmente, estaria mais inclinada para um lado. Eu sempre sonhei ser pai, mas sempre desejei as melhores condições para o poder ser e, não querendo arrastar-nos para a miséria, estaria preparado para decidir abortar. Tivemos uma situação semelhante no mesmo ano, ainda em Portugal, e teria decidido abortar pois não teriamos condições. Calhou ser falso alarme, como a nossa esperança num novo governo.

Mas agora estávamos na Dinamarca. O dificil das nossas vidas, isto é, sair das garras dos estágios onde ganhamos a aptidão de viver sem ordenado e fazer-nos à vida, já estava. Ainda não tinhamos trabalho fixo e não estávamos nada bem de dinheiro pois tinhamos acabado de arrender a casa e adquirir alguma mobilia. Mas... ponderei. Basta nos esforçarmos e é extremamente plausível. Se ficarmos juntos e trabalharmos em equipa, será possível. O ser plausível intrigou-me. Houve quem conseguiu em piores condições, como os meus pais e avós, todos eles bem mais novos do que eu. Se comparar a minha idade com a dos meus pais quando tiveram o meu irmão, eu já era um ancião em risco de secar o meu aparelho reprodutor. E não me recordando do que disse, sei que foi nesse registo, em "então será assim..."

O importante para mim, naquele momento, era o bem estar da minha namorada pois, de forma parvinha, além de sentir os mesmos receios que eu, também se sentia culpada, como se houvesse culpa a sentir. Fui o mais adulto até à data (o record viria a ser durante o parto, mas lá chegaremos) e assegurei-lhe que iria tudo correr bem e iriamos conseguir. A conversa fiada que se quer, mas a qual, por uma vez, me senti confiante. Senti dentro dela felicidade, só não se via por fora. Mas senti que ganhou um alivio, como se tivesse uma ideia reprimida que já não se recordara. Nestes momentos ficamos tão preocupados com o "e agora?!" que não pensamos "mas, e se?!"

Vesti o casaco e fui ao Rema1000 comprar o nosso jantar. Antes de sair, disse-lhe: "então vá, fica aí com o meu filho que eu já venho"

E agora sim, a felicidade dela reparou-se com um sorriso honesto e bem visivel.
Passámos a noite toda a falar sobre como será e o que teremos de fazer, sem que nos parecesse tão real como há umas horas. Decidimos não contar ainda a ninguém, afinal, foi só um teste e não uma confirmação médica. Já estávamos mais que convencidos. Em vez de nos 'tranquilizarmos' com "calma, a caixa tem um segundo teste" "calma, isso é uma merda de plástico, até irmos à médica pode não ser nada, lembra-te do Schrodinger!". Foi ao contrário. Tinhamos receio que a médica dissesse que não seriamos pais pois acabámos de sentir conforto com a ideia. Só depois iriamos pensar em enfrentar os amigos e familiares, a parte mais divertida.


Felizmente eu estaria preparado. Ela não, que não podia beber.



Aqui está a enorme diferença entre Dinamarca e Portugal: a população. Somos muito mais calorosos e dispostos abertamente a ajudar, mas temos uma má lingua do piorio. Só estamos bem a falar mal da vida alheia como se a restante população fossem os aneis do Saturno que é o nosso anûs. Na Dinamarca, não houve uma pessoa que não nos desse força e todo o apoio. Quando ligámos ao hospital a solicitar um Dr. que nos visse o potencial de a minha mulher estar grávida, a administrativa gritou de alegria e deu-nos imensos parabéns, como se não ouvisse a mesma merda todos os dias. Na Dinamarca talvez não ouvisse, é verdade, pois é uma população velha a precisar urgentemente de jovens. Tal como Portugal. E, por isso, faz tudo ao alcance para atrair jovens e oferecer as melhores condições para que possam ter uma vida estável e criar uma familia sem dificuldades. Tal como Portugal.

Não tivémos nada abaixo de "vocês conseguem". Aqui, dizem "como vão estudar na universidade e ser pais?" enquanto que lá os professores dizem "há imensas alunas grávidas a estudarem e a fazerem exames, não se preocupem." Tivémos uma decisão só nossa e não quisémos ouvir mais ninguém, mas é inegável a sorte que tivemos em estar rodeados de pessoas que nunca vimos antes mas que nos apoiaram e nos deram força que em outras circunstâncias estranhamente semelhantes podiam nos suscitar dúvidas desnecessárias.

No dia seguinte, apresentei em último lugar e fui o melhor daquela tarde. O projecto não era o melhor, mas a forma como foi vendido, sim. Gratificante não pelo meu esforço de preparação, mas por ter apresentado um teclado touchscreen para doentes com parkinson a uma sala de Dinamarqueses enquanto eu não sabia o que dizia e não queria saber do projecto por um dia. Estava em verdadeiro piloto automático, a falar no palco para uma sala cheia de olhares que se indignavam de inveja da minha t-shirt do Batman enquanto eu pensava "vou ser pai". Assim que terminei, saí da universidade e fui fazer uma viagem de uma hora e meia até Hadsund, para iniciar o meu primeiro trabalho nas obras, um clássico do emigrante. Um fim-de-semana do meu trabalho mais árduo onde tive tempo para digerir isto de ser pai.

E fica, por aqui, a apresentação da nossa aventura. Ainda há muito para vos contar, como a reacção dos meus pais, o decidir o nome, o descobrir o sexo, o descobrir como se faz sexo e, claro, o parto. Ao mesmo tempo que vos conto, ainda tenho muito para aprender à medida que escrevo. Agora se me permitem, a minha filha está a dormir ao colo da mãe enquanto fazemos a viagem de expresso, e eu vou olhar para elas pois fisicamente esgotei as minhas glandulas salivares de tanto amar este ser fabricado na Dinamarca, exportado para Portugal.

E tudo isto sem lidarmos com uma única assistente social da Santa Casa, credo.




Winter was coming